As obras de arte
em sua essência sempre foram objeto de reprodução. Essa imitação foi praticada
por discípulos, mestres e por diversas outras pessoas, cada uma com interesses
distintos e específicos. Mas a reprodução técnica de obras de arte é um
processo novo, que vem se desenvolvendo de forma intensa e crescente. A imprensa
teve importância decisiva na atual conjuntura, mas fez parte de um contexto
muito mais amplo da reprodução técnica, que envolve a xilogravura, a estampa em
chapa de cobre e a água-forte, assim como a litografia. A litografia permitiu
às artes gráficas colocar no mercado suas produções em massa e sob a forma de
criações novas. Mas foi ultrapassada pela fotografia, onde a mão foi
substituída pelo olho que apreende mais depressa que a mão desenha. E a
reprodução técnica do som que surgiu e atingiu um alto padrão de qualidade.
No entanto, segundo Benjamin, nas
reproduções, um elemento se ausenta: o “hic
et nunc” ou o “aqui e o agora”. Este elemento seria a história e toda a
raiz e tradição do objeto em si. A reprodução técnica tem mais autonomia que a
manual e pode colocar a cópia do original em situações impossíveis para o
próprio original, por estas duas razões, o autêntico não preserva toda a sua
autoridade com relação à reprodução técnica. Mesmo o conteúdo ficando intacto,
as reproduções desvalorizam o “seu aqui e agora”, sua autenticidade, o
testemunho se perde, pois depende da materialidade da obra.
O que murcha na era da reprodutibilidade da obra de arte é a sua aura.
(...) essa decadência assenta em duas circunstâncias que estão ligadas ao
significado crescente das massas, na vida atual. ou seja: ‘aproximar’ as coisas
espacial e humanamente é atualmente um desejo das massas tão apaixonado como
a sua tendência para a superação do caráter único de qualquer realidade,
através do registro da sua reprodução. Cada dia se torna mais imperiosa a
necessidade de dominar o objeto fazendo-o mais próximo na imagem, ou melhor,
na cópia, na reprodução. (BENJAMIN, 1992, pp. 79-81)
A aura, a qual Benjamin se
refere, é uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: “a
aparição única de uma coisa distante por mais perto que ela esteja” (BENJAMIN, 1994, p. 170). Existem duas
circunstâncias que explicam o declínio atual da aura, que são: fazer as coisas
ficarem mais próximas e a tendência das massas de superar o caráter único dos
objetos através de sua reprodutibilidade. Na imagem, a unidade e a durabilidade
se associam intimamente como na reprodução, a transitoriedade e a
repetibilidade.
A unicidade da obra é idêntica à sua
inserção no contexto da tradição. As mais antigas obras de arte surgiram a
serviço de um ritual, inicialmente mágico, depois, religioso. O valor único da
obra de arte autêntica tem sempre um fundamento teológico. Com o advento da fotografia
levou a arte a pressentir a proximidade de uma crise, ela reagiu ao perigo com
a doutrina da arte pela arte. No momento em que o critério da autenticidade
deixa de aplicar-se à produção artística, toda a função social da arte se
transforma. Em vez de fundar-se no ritual, ela passa a fundar-se na política.
No cinema, a reprodutibilidade técnica não é uma condição externa para sua
difusão maciça. A difusão se torna obrigatória pelo alto custo de produção de
um filme.
No entanto, em “O conceito de aura, de
Walter Benjamin, e a indústria cultural”,
Bráulio discorda da argumentação de Benjamin e explica:
O aqui e agora da obra de arte são mantidos, se não como aparição única
da obra de arte, ao menos como aparição rígida e inflexível da mesma,
igualmente distante e não-apropriável pelo usuário. As relações de propriedade
sobre a obra de arte são preservadas, protegidas pelo direito do autor. (2010,
p. 133)
Os dois pólos no interior das obras
de arte são o valor de culto e o valor da exposição. Assim como na pré-história
a preponderância absoluta do valor de culto conferido à obra levou-a a ser
concebida em primeiro lugar como instrumento mágico e só mais tarde como obra
de arte, do mesmo modo a preponderância absoluta conferida hoje a seu valor de
exposição atribui-lhe funções novas, entre as quais a artística, talvez se
revele mais tarde como secundária.
Com a fotografia, o valor de culto
começa a recuar, diante do valor de exposição. O refúgio derradeiro valor de
culto foi o culto da saudade, dos rostos humanos dos entes ausentes e defuntos.
A aura é simbolizada pela última vez na expressão fugaz de um rosto. Atget
radicalizou esse processo fotografando as ruas de Paris desertas de homens em
1900.
Os gregos só conheciam dois processos
técnicos para reprodução de obras de arte, o molde e a cunhagem. A moeda e a
Terracota eram as únicas fabricadas em massa. As outras eram únicas e
irreprodutíveis. Os gregos foram obrigados então a produzir valores eternos. O
ponto de vista artístico que marcou toda a evolução artística posterior era o
oposto do nosso atual onde as obras são reprodutíveis em grande escala e
amplitude.
Ao se emancipar dos seus fundamentos
no culto, a arte perdeu qualquer aparência de autonomia. Porém, a época não se deu
conta da refuncionalização da arte. Mas as dificuldades com que a fotografia
confrontou a estética tradicional eram pequenas em comparação com as suscitadas
pelo cinema.
Ao contrário do ator de teatro, o
intérprete de um filme não representa diante de um público qualquer a cena a
ser reproduzida e sim diante de especialistas: produtor, diretor, operador que
podem intervir a qualquer momento. O intérprete de um filme não representa
diante de um público, mas de um aparelho.
Para o cinema, é menos importante o
ator representar um outro personagem que ele representar a si mesmo diante do
aparelho. Pirandello diz que: “O ator de cinema sente-se exilado, não somente
do palco, mas de si mesmo.” Como a representação do homem pelo aparelho, a auto
alienação humana encontrou uma aplicação criadora. A imagem do homem,
especular, torna-se destacável e transportável para um lugar em que ela possa
ser vista pela massa. O capital cinematográfico dá um caráter
contra-revolucionário às oportunidades revolucionárias imanentes a esse
controle. Esse capital estimula o culto ao estrelato, estimula o culto do
público e a consciência corrupta das massas. A arte contemporânea será tanto
mais eficaz quanto mais se orientar em função da reprodutibilidade e quanto
menos colocar em seu centro a obra original. A arte dramática é a que enfrenta
a crise mais manifesta. Os astros cinematográficos só muito raramente são bons
atores, no sentido de teatro. Pois é menos importante que o intérprete
represente um personagem diante do público que ele represente a si mesmo diante
da câmera. Essa problematização do autor lembra o trecho do filme Waking Life,
2001, do diretor Richard Linklater: “Hollywood
transformou o cinema em apenas um meio para contar histórias. Pega-se livros ou
histórias, um roteiro e encontra-se alguém que encaixe. É ridículo. Não deveria
se basear no roteiro. Deveria basear-se na pessoa ou na coisa. Não é a toa que
existe um estrelato, trata-se então daquela pessoa ao invés da história.”.
Dessa forma, segundo Tomaim, (2004,
p.105), temos que o cinema, para Benjamin “é uma arma perigosa sob domínio de
movimentos contra-revolucionários, serve à política ritualizada como meio de
tornar presente às multidões diante da tela seus eventos mitificadores de um
regime: os ritos dos desfiles, dos jogos e dos meetings. O cinema completa o
rito fascista.”
A técnica do cinema assemelha-se à
do esporte no sentido de que nos dois os espectadores são semi-especialistas.
Durante muito tempo, houve uma separação rígida entre um pequeno número de
escritores e um grande número de leitores. Com a ampliação da imprensa, a
situação modificou-se, um grande número de órgãos e de leitores começou a
escrever. Com isso, a diferença essencial entre autor e público começa a
desaparecer. A competência literária passa a fundar-se na formação politécnica
e não na educação especializada. Tudo isso é aplicável ao cinema, pois essa
revolução já se completou em grande parte na prática do cinema, sobretudo no
cinema russo. Toda forma de arte amadurecida está no ponto de intersecção de
três linhas evolutivas. Em primeiro lugar, a técnica atua sobre uma forma de
arte determinada. Em segundo lugar, em certos estágios de seu desenvolvimento
as formas artísticas tradicionais tentam produzir efeitos que mais tarde serão
obtidos sem qualquer esforços pelas novas artes. Em terceiro lugar,
transformações sociais muitas vezes imperceptíveis acarretam mudanças na
estrutura da recepção, que serão mais tarde utilizadas pelas novas formas de
arte.
No teatro existe um ponto de observação
que não existe nas filmagens do cinema, que permite preservar o caráter
ilusionístico da cena. Esse ponto não existe no estúdio. A natureza
ilusionística do cinema é de segunda ordem e está no resultado da montagem. A
relação entre o cinegrafista e o pintor é que o pintor observa em seu trabalho
uma distância natural entre a realidade dada a ele próprio, ao passo que o
cinegrafista penetra profundamente as vísceras dessa realidade. As imagens que
cada um produz são, por isso, essencialmente diferentes. A imagem do pintor é
total, do operador é composta de inúmeros fragmentos que se recompõem segundo
novas leis.
A reprodutibilidade técnica da obra
modifica a relação da massa com a arte. Um indício social é que quanto mais se
reduz a significação social de uma arte, maior fica a distância, no público,
entre a atitude de fruição e a atitude crítica, como se evidencia com o exemplo
da pintura. No cinema, as reações do indivíduo, constituem a reação coletiva do
público que são condicionadas pelo caráter coletivo dessa reação. A pintura não
pode ser objeto de uma recepção coletiva, isso é um obstáculo social num
momento que ela se vê confrontada com massas, de forma imediata.
Uma das funções sociais mais
importantes do cinema é criar um equilíbrio entre o homem e o aparelho, pela
forma como ele representa o mundo, graças a esse aparelho, o cinema faz-nos
vislumbrar, por um lado, os mil condicionamentos que determinam nossa
existência e por outro assegura-nos um espaço de liberdade. A câmera intervém
com seus inúmeros recursos auxiliares, suas imersões e emersões, suas
interrupções e seus isolamentos, suas extensões e suas acelerações, suas
ampliações e suas miniaturizações. O cinema fez pela descrição do mundo onírico
que pela criação de personagens do sonho coletivo, como o camundongo Mickey,
que hoje percorre o mundo todo.
Uma das tarefas mais importantes da
arte foi sempre a de gerar uma demanda cujo atendimento integral só poderia
produzir-se mais tarde. As extravagâncias e grosserias artísticas que se
manifestam nas “épocas de decadência” derivam do seu campo de forças mais rico.
O dadaísmo é um exemplo disso, que tentou produzir através da pintura ou da
literatura os efeitos que o público procura hoje no cinema. O dadaísmo
sacrificou os valores de mercado intrínsecos ao cinema, em benefício de
intenções mais significativas, das quais ele não tinha consciência. Eles
estavam menos interessados em assegurar a utilização mercantil de suas obras
que em torná-las impróprias para qualquer utilização contemplativa. O
comportamento social provocado pelo dadaísmo foi o escândalo. Essa obra tinha
que satisfazer uma exigência básica: suscitar a indignação pública. Compare-se
a tela em que se projeta o filme com a tela em que se encontra o quadro. Na
primeira, a imagem se move, mas na segunda, não. Esta convida o espectador à
contemplação, diante dela, ele pode abandonar-se às suas associações. Diante do
filme, isso não é possível. O cinema corresponde a metamorfoses profundas do
aparelho perceptivo.
As massas procuram na obra de arte
distração, enquanto o conhecedor a aborda com recolhimento. “Para as massas, a
obra de arte seria objeto de diversão, e para o conhecedor, objeto de devoção”
(BENJAMIN, 1985, p.192). Desde o início a arquitetura foi o protótipo de uma obra
de arte cuja recepção se dá coletivamente, segundo o critério de dispersão. Os
edifícios comportam uma dupla forma de recepção: pelo uso e pela percepção, por
meios táteis e óticos. Não existe nada na recepção tátil que corresponda ao que
a contemplação representa na recepção ótica. Na arquitetura, o hábito determina
em grande medida a própria recepção ótica. Como os indivíduos se sentem
tentados a esquivar-se a novas tarefas, a arte consegue resolver as mais
difíceis e importantes sempre que possa mobilizar as massas. É o que ela faz,
hoje em dia, no cinema. A recepção através da distração, que se observa
crescentemente em todos os domínios da arte e constitui o sintoma de
transformações profundas nas estruturas perceptivas, tem no cinema o seu cenário
privilegiado.
O fascismo tenta organizar as massas
proletárias recém-surgidas sem alterar as relações de produção e propriedade
que tais massas tendem a abolir. Deve-se observar aqui, que a reprodução em
massa corresponde de perto à reprodução das massas. Esse processo está
estreitamente ligado ao desenvolvimento das técnicas de reprodução e registro.
A política se deixou impregnar, com d’Annunzio, pela decadência, com Marinetti,
pelo futurismo e com Hitler, pela tradição de Schwabing (bairro boêmio de Viena).
Todos os esforços para estetizar a política convergem para um ponto. Esse ponto
é a guerra. A guerra permite dar um objetivo aos grandes movimentos de massa,
preservando as relações existentes. Segundo o manifesto de Marinetti, a
estética da guerra moderna se apresenta do seguinte modo: como a utilização
natural das forças produtivas é bloqueada pelas relações de propriedade, as
intensificações dos recursos técnicos, dos ritmos e das fontes de energia
exigem uma utilização antinatural. Essa utilização é encontrada na guerra, que
prova com suas devastações que a sociedade não estava madura para fazer da
técnica o seu órgão, e que a técnica não estava avançada para controlar as
forças elementares da sociedade.
Walter
Benjamin nos faz repensar a arte e a modernidade enquanto progresso humano. E o
papel do moderno no ponto de vista materialista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. (pp. 11-105).
ARAUJO, Bráulio Santos
Rabelo de. O conceito de
aura, de Walter Benjamin, e a indústria cultural. In: Pós. Rev
Programa Pós-Grad Arquit Urban. FAUUSP [online]. 2010, n.28. (pp.
120-143).
TOMAIM, Cássio dos Santos. Cinema e Walter Benjamin: para uma
vivência da descontinuidade. In: Revista Estudos de Sociologia. 2004, n.
16. (pp. 101-122)
WAKING life. Direção: Richard Linklater. [S.l.]: Fox Home Entertainment, 2001. 1 DVD (99 min).
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